O filme conta uma história de aventuras imaginárias, travessuras e molecagens, de ganhos e perdas pessoais que amadurecem, do personagem Zezé. Amadurecimento que nos é visível durante toda a trama. Um moleque incrivelmente prodigioso, mas com uma profunda carência de afeição que se simboliza bem com a sua lista de amigos que cresce e diminui através das contingencias de sua vida.
No longa-metragem de Marcos Bernstein, roteirista de filmes consagrados como Central
do Brasil, assim como no livro base de José Mauro de Vasconcelos (“Meu pé
de laranja lima”, 1968), a dor da perda é uma constante e Zezé (João Guilherme Ávila) em sua coleção
de amigos experimenta as tristes sensações da impotência humana quanto à efêmera
e insegura força da vida: pessoas queridas que vão embora, outras que chegam e
até mesmo inimigos que viram a casaca e se tornam nossos melhores amigos. Assim
se encaminha o roteiro, nesse melancólico e harmonioso drama comum, que tem
como diferencial o ponto de vista da criança, a inocência e o ímpeto de fazer
(nem sempre certo) de quem vive uma infância pobre, mas colorida pela imaginação.
O título faz referência a um dos
personagens da trama, Minguinho, o pé de laranja lima, que se torna um dos
grandes amigos de Zezé e demonstra, mais uma vez, o grande poder criativo do
garoto, que é capaz não só de conversar com a árvore, mas de ouvi-la e de
aventurar-se com ela. No filme o personagem Minguinho e sua relação ficam um
pouco diminuídos, mas outras sensações e ideias se tornam mais fortes como a
crítica a falta de compreensão, de diálogo e de proximidade, entre aquele
adulto que pensa que se tem que corrigir as crianças a todo o custo e as
crianças que escapam brilhantemente das imposições morais por causa de seu
olhar sedento por vida. A poesia das verdades infantis e das intenções mais
singelas do garoto, e a sua vontade de se sujeitar, apesar dos pesares, e
agradar o outro.
Nessa história de perdas e
ganhos, chega-se a um momento em que muitas perdas se sobrepõem e criam um
choque catártico, não só no personagem, mas na plateia, obrigando ambos a
sentirem tamanha dor que “amadurecer”, se é que isso é realmente bom, parece
ser o único caminho, porém o Zezé adulto (interpretado por Caco Ciocler), ao final do filme, mostra que ainda
permanece dentro dele o espírito arteiro do menino que foi. Então, a história
bate e combate a intransigência e ignorância dos pais coercivos, ao mesmo tempo
em que é uma ode a certo tipo de “liberdade” moral, onde podemos dizer que é
preciso manter sempre vivo o passarinho que existe dentro de nós. Porém é perceptível que a nossa
sociedade está em curso para que uma história de amizade entre uma criança e um
adulto seja fruto de julgamentos diversos e, por horas, perversos. Nessa
história, há uma relação “secreta” de amizade e de amor entre um garoto (Zezé)
e um adulto (Portuga - José de Abreu) e não é difícil imaginar pessoas criando e rotulando
questões éticas na mesma. Porém a trama desmistifica essas questões do velho e
bom “não fale com estranhos” e traz a ternura mais verdadeira que possa existir
entre dois seres humanos, de forma tão completa que julga-los mal parece ser o
maior de todos os crimes. A relação entre eles é o primeiro contato afetuoso
que o garoto conhece e, talvez, o último do adulto, marcando, assim, os
personagens polarizados (velho-moço) como iguais; um detonando no outro,
emoções que os ligarão para sempre.
“Meu pé de laranja lima” é poético, profundamente simples e detona uma dor marcada e vertiginosa, como passos de quem corre em direção aos trilhos de um trem que se aproxima, além de transbordar uma ternura óbvia em quem o assiste, que consiste no ato de identificar-se, na compaixão. É um filme onde se pode perceber com graça a mão do diretor em imagens poéticas importantes como a sombra do pai – o pai como uma sombra de homem -, no momento em que o pai rouba-lhe o dinheiro ganhado escondido; as imagens afeições deformadas dos rostos nos atos violentos do Portuga, do pai e do próprio Zezé e nas transições de cenas. É, ainda, um filme para quem consegue ver a beleza e a importância que há na tristeza, na pobreza, mas, sobretudo, naquilo que suplanta (e talvez daí brote, como uma árvore num terreiro velho) tais situações: o amor e a fantasia. Tecnicamente, os atores trazem a carga perfeita de intimidade; a trilha, a fotografia e a montagem são primorosas, portanto, é um deleite artístico-experiencial, além de tudo o que o roteiro deflagra em nós em ideias e associações.
André Vargas
Dé, o diretor do Central do Brasil não é o Walter Salles?
ResponderExcluirÉ verdade, vou mudar, o Bernstein foi o roteirista! Sabe como é... escrever na madrugada da nisso!
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