terça-feira, 21 de maio de 2013

A Tarsila é popular! – Didatismo na história da arte e senso comum



Antes de tudo é preciso que eu localize o princípio desse meu texto. Estou trabalhando ao lado de figuras ilustres da nossa arte brasileira, como Tarsila, Pancetti, Di Cavalcante, Hélio Oiticica, entre outros, no Museu de Arte do Rio, e convivo com a opinião do "público" sobre eles.

A popularidade, como sabemos, exibe muitas facetas e nem todas elas são saudáveis. Com a popularidade, por exemplo, no que se destina a arte, vem o senso comum, as doutrinas e os discursos da industria cultural e a proximidade de uma massificação da própria arte, como bem dizia Walter Benjamim: "o fim da aura". Portanto é de suma importância relativizar e criticar os "avanços" que os mecanismos impõem, de qualquer tipo de arte, sobre o povo. Devemos muito dessa popularização à educação, ou melhor, ao didatismo da arte nas escolas, o que é um grande passo para construção de um povo forte e consciente, porém com seus problemas, devido às brevidades das abordagens.

É bom ver que todo mundo, ou quase todo mundo, reconhece Tarsila do Amaral de longe, sem pestanejar, sem muitas dúvidas (às vezes escorregando em Djaniras e Malfattis), mas realmente são icônicas, emblemáticas, e identitárias a ponto de serem referenciadas pelos brasileiros comuns, as representações dessa artista.
“Uma identidade!” é o que dizem todos que avistam os quadros da “senhora antropofagia”, “Não tem como não saber, é a cara dela!”. De fato os quadros dessa etapa tem algo em comum e é mais ou menos um pouco de tudo o que nós conseguimos decifrar: formas arredondadas, despreocupação formal, o uso de cores primárias e vivas, temática que envolve a identidade nacional, a desproporção acentuada, entre outras coisas que se pode enumerar. Mas está em enumerar, que advém da ideia de que temos que nos posicionar como críticos maniqueístas, sabedores do que é bom e ruim, o erro da questão.
De algumas décadas para cá as escolas começaram a trabalhar muito a ideia de o modernismo ser um período artístico no Brasil de “ruptura” com a simples reprodução dos conceitos artísticos estrangeiros, para ser a “reprodução digerida” e seletiva do que é bom, sem esquecer a nossa identidade, identidade esta que se pautaria exatamente nesse digerir, como o canibalismo (antropofagia) de algumas tribos de nossos “povos originários”, os indígenas, sugere; reforçando, assim, um símbolo de brasilidade, já preexistente nas formulações ideológicas do movimento, introduzindo alunos e professores brevemente nessa história tão cheia de pormenores e contextos. Outras formas de propaganda de fixação foram também parte responsável, na criação desse discurso opinativo e de gosto que se formou, especificamente, pelos quadros de Tarsila, como o uso de suas pinturas em contracapas de cartilhas escolares e etc.
A reboque dessa identificação, desse reconhecimento, tanto de crianças, como de jovens e adultos, está, contudo, aquilo que a escola consegue fazer melhor hoje em dia: criar e fortalecer o senso comum. Melhor dizendo, ainda que se tenha o reconhecimento que se merece, a arte da Tarsila é vista de maneira técnica pelas pessoas que a reconhecem e o primeiro sintoma dessa tecnicidade é a opinião.
Quando me refiro a “maneira técnica” quero exemplificar um olhar que Heidegger enunciou como um sinal dos nossos tempos modernos, um olhar que pretende prever o que se pode ganhar em tudo o que há no mundo, o que serve e o que não serve, inclusive na arte. De modo que essa maneira técnica de ver a arte só percebe o que a arte não é: alvo. Sendo assim é um olhar breve e nebuloso que se experimenta.

A opinião negativa

Talvez essa seja o sintoma mais perceptível, pelo menos no que tange ao senso comum tecnicista. Torcer o nariz, dizer que não gosta do “estilo” dessa pintora, achar que ela não sabia pintar, que qualquer um pode fazer igual, ou mesmo que a Tarsila pintava como uma criança..., exemplificam a forma brutal de suspender o contato com a arte exibida e se sustentar na sua própria ignorância. Todos podemos dizer que gostamos e que não gostamos de qualquer coisa, mas daí a dizer que tal pessoa não sabia pintar é ignorar a história dessa pessoa, e desconhecer cegamente aquela artista enquanto tal. Dizer que é fácil fazer é desconhecer o oficio de pintar. Na prática nunca é fácil. Dizer que ela pintava como uma criança é desconhecer totalmente o movimento e as ideias envolvidas. De toda a forma é ignorar a artista. Mas a arte é a que mais escapa nesses quesitos estáticos, pois o contato já ficou diluído por preocupações técnicas que nem sequer se sustentam na critica ao artista (algo menor, na minha singela opinião, do que a arte).


André Vargas

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