Eu venho
pensando muito sobre o funk de uns tempos para cá. Na verdade, eu sempre gostei
de ficar antenado às novidade e até de antecipar quais seriam as musicas mais
tocadas nas festas de quinze anos e nas formaturas de colégio, porém venho, por
esses tempos, pensando no papel crítico, ou melhor, naquilo que se insere o funk
como cultura e como traço óbvio de nossa identidade sociocultural; naquilo que indica o funk como uma chaga exposta das segregações sociais e, ao mesmo tempo, uma
arte com capacidades múltiplas e muitas ainda não exploradas. Tenho pensado,
com isso, na relevância de algumas mensagens, nos símbolos que estamos criando
de “resistência” ou de "conformidade" e até mesmo - papel bem menos nobre e divertido do que
antecipar tendências de bailes - tenho pensado no que e no por que das coisas
que pessoas, como eu, pensam ao ouvir funk ou ouvir falar de funk.
Já não se faz
mais necessário especificar aqui no Brasil, sobretudo no Rio de janeiro, de
que funk estou falando, ainda mais quando digo que esse estilo musical ainda
sofre algumas barreiras estigmatizastes, tanto da crítica – seja ela elitista
ou pseudo-pop – quanto do próprio funkeiro. Enquanto o estigma da crítica,
geralmente explicita um preconceito social secular deixando, assim, de ver o
lado hierarquicamente ruinoso da cultura, ou relativizam de forma inocente os
conteúdos na tentativa de tornar as mensagens emblemas de algum pressuposto
teórico da própria elite; o estigma da do funkeiro está nos símbolos adotados
de poder, nos devaneios ostentosos do capital, nas referências esdrúxulas à
cultura pop norte-americana, ou seja, está exatamente naquilo que o oprime. Desse
modo é o próprio recalque do funk, que faz com que o seu alcance seja, em alguns âmbitos, interrompido ou diluído.
Não é difícil
perceber que a mácula da ostentação de um status social ilusório, transitório
e, por vezes inexistente, como o Poder sobre o outro sexo a partir do dinheiro,
de posses ou de qualidades pessoais especiais como a pró-atividade sexual,
apesar de serem demonstrações de um tipo de construção de autoestima de um povo
que sofre com a desvalorização desses ícones, são caminhos que só dizem a favor
da máquina opressora e são, ainda, caminhos que criam em torno de si um sentido
lógico nessa sociedade exatamente enquanto doutrinam e iludem os que se intitulam
como tais. E o que se deveria perceber é que estes são verdadeiros exemplos do
quanto está exaurido de ideias claras sobre si a população mais explorada e
carente de estima.
“Sou foda!”
Assim, parece presumível
que se diga que há muito mais contexto no que o funk não diz do que no que ele
diz, melhor dizendo, a exata antítese das suas letras revela muito mais sobre a
realidade do que os símbolos de poder que ela propaga: seus carros importados,
suas mulheres lascivas e voluptuosas, suas lanchas, seu desempenho sexual, seus
amigos fieis, e sua grana infinita, dão lugar às dezenas de prestações de um
carro popular, suas aventuras amorosas, cada vez mais breves e superficiais,
seus amigos comuns e sua bufunfa módica e suada, quando há. Mas esses – apesar
de serem muito constantes, ainda mais porque a indústria cultural se apossou da
produção, e forçadamente reproduziu essa ideologia de sucesso à exaustão, de
forma que isso acabou inoculado quase que totalmente no ideário popular – são casos
específicos dentro de uma multiplicidade gigantesca que se pauta no eterno por
vir dessa história.
Temos que mencionar
o papel importante de MC’s como MC Leonardo, com suas rimas de contestação
social como “Ta tudo errado”, que além de politizadas, carregam consigo a
mensagem crua e dura da realidade da qual somos apartados em nossos
apartamentos. Não dá também para não nos lembrarmos de tantos outros, hoje no
ostracismo, mas que ainda são lembrados pelos DJs e pelos dançantes das pistas
nas festas e que tiveram papel importante nesse sentido de contestação e de
apresentação dessa realidade calada e culpada antecipadamente como Cidinho e
Doca entre outros.
Poderíamos falar
da parte humorística dos funks ou de muitas outras vertentes atuais e antigas,
mas não podemos negar que o giro capital e o status adquirido estão cada vez
mais reinando sobre qualquer tipo de mensagem e assim devemos ler o funk nas
entrelinhas psicossocial, mais do que no “papo reto que eles vão mandar pa tu”.
De modo
inquebrantável o funk é um ritmo único, que bebeu de misturas eletrônicas americanas
e batidas afro-brasileiras, de uma forma que se tornou quase um ritual xamã de extravasamento do ser, e essa frase de Francisco Bosco (colunista do jornal O
Globo), “O funk não é contemplativo, é dionisíaco”, da qual me apossei para
título desse texto, realmente encerra no que o funk é enquanto prática
comunitária. Realmente o ritmo é contagiante (claro que de forma benéfica para
alguns, enquanto esse mesmo contágio não é bem quisto por outros) e realmente
há alguma coisa de dionisíaco no funk. Existe algo que vai para além do que se
diz, existe uma manifestação corporal de quase transe, de excitação, de
sexualidade e de inspiração ao exagero dos prazeres que é indissociável do
funk, e, talvez por ele carregar esse caráter de exuberância dos prazeres da
carne é que se possa esperar de tudo do funk. O colunista faz quase uma ode a
um recente tipo de dança criado na cultura funk, que como tudo que é da cultura
funk, bebeu de culturas diversas e criou uma maneira única de execução: o
passinho, e através de sua admiração à estética e a plástica da dança
sentenciou que o funk não é contemplativo e sim dionisíaco. Concordo em partes
com o Bosco, principalmente quanto à forma prática e à fruição frenética dos
dançantes, mas vejo na história do funk e nas mensagens que por vezes ele
transmite muito mais de sua importância social. Podemos e devemos ler o funk em
todos os seus sentidos.
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