segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Para além do racismo, o egoísmo

                                          http://www.youtube.com/watch?v=WNM4txmV0Lc


Muita coisa a se analisar quando percebemos a quantidade de compartilhamentos do vídeo onde o ator norte-americano Morgan Freeman dá a sua opinião sobre o dia da consciência negra. Tanta coisa a se pensar, coisas que estão sendo deixadas de lado por quem põe esse vídeo em seu mural.
Existe uma forte, porém rasa, ideia que indica que, ao se fortalecer os grupos e as lutas dos "ditos" minorias se dá justamente o estabelecimento e o consentimento do preconceito que eles sofrem cotidianamente. Isso é uma falácia que em nada se justifica.
Não é necessário ser um antropólogo com anos de leitura e pesquisa para se perceber que o preconceito, o racismo, e os frutos da ignorância do homem como um todo, já estão estabelecidos culturalmente em virtude de construções e conjunturas sociais de exploração, ou seja, não necessitam de nada para existirem, pois já chicoteiam o lombo do povo. E, ao contrario do que pensa o homem mediano, é exatamente nesse reforçar das mesmas conjunturas dos preconceitos que faz com que uma história não se acabe e o explorado não se cale, em claras palavras, desse retomar das questões criticas que surge a luta. É claro que só o dia da consciência negra não é a solução para nada disso, claro que existem ignorâncias ainda não suplantadas inclusive nos movimentos que buscam romper com as estruturas preconceituosas. Mas não é possível que neguemos que dizer “Por que um dia da consciência negra se não há um da consciência branca?” ou ainda “para acabar com o preconceito basta que não falemos mais nisso, não me trate como negro que eu não te tratarei como branco e estaremos quites!” sejam pensamentos, se é que podemos assim chamar, inocentes e inconsequentes, no mínimo.

Parece-me realmente muito pequeno e mesquinho esse pensar, mas vamos analisar mais a fundo essas duas frases-argumentos tão típicos dos nossos queridos pequenos-burgueses-pardos-desorientados, ou seja, os ignorantes da exploração social e das espoliações raciais (e que, assim, parecem querer permanecer) .

Por que um dia da consciência negra se não há um da consciência branca?
Porque só se tem de reforçar a luta e a força daquele que é oprimido; que tem sua cultura  subjugada; que sofre historicamente e desde o nascimento com uma série de obstáculos que lhe são impostos pela sociedade única e exclusivamente pelo tom de sua pele, pela região da qual ele provem, pela sexualidade, pela religião e assim por diante.
O discurso hetero-caucasiano-macho não é plausível, pois com ele se pretende anular as questões basais da nossa sociedade estratificada e explorativa. Porém é perceptível que pessoas com algum esclarecimento também corroboram para esse tipo de pensar, aquelas mesmas que, como eu já disse, acham que o racismo tem que acabar, mas tem que acabar no silêncio das questões, e não na luta pelos direitos. O que, na minha opinião, é querer velar ainda mais a nossa, já tão opaca, história podre.
Alguém seria capaz de dizer que para se acabar com o ranço social da ditadura basta que não falarmos mais nisso? Ou que para minimizar as dores do nazismo e para que esse tipo de ignorância não ocorra mais basta que nos calemos? Ou ainda, que sanaríamos, de uma vez por todas, a nossa dor universal pelas destruições da santa inquisição, somente nos calando?
Acho difícil, portanto não calemos a luta das minorias e não demos força para o discurso burro-fascista da camada privilegiada e que, mesmo com a formação e a informação facilitada, prefere ignorar.

Para acabar com o preconceito basta que não falemos mais nisso, não me trate como negro que eu não te tratarei como branco e estaremos quites!
Essa questão circunda a outra que levantei anteriormente. Parece-me claro que não basta a gente fingir que não percebe as diferenças, elas existem factualmente impostas e se estruturam na nossa cultura de tal forma que quase nem percebemos mais quando estamos, ou não, sendo racistas, machistas, ou qualquer “ista” do tipo. Por isso penso que muita gente está se deixando possuir por “istas” quando publicam esse vídeo, mesmo sabendo que essas mesmas pessoas, muitas das vezes, só estão querendo demonstrar que não gostam de racismo, que o mundo não precisa disso e que a vida devia ser igualitária e melhor para todos. Ok, mas não podemos, com as ideologias, anular as lutas que temos que travar diariamente para que os direitos sejam iguais e, ao fazermos isso, chegamos ao “ista” mais deplorável que existe. Ao fazermos isso, ao anularmos a luta em virtude de uma felicidade cor de rosa, de um mundo de uma só cor: a cor humana, somos egoístas.
E nada é mais egoísta do que achar que o nosso sonho tem que ser real para todos, que nossos ideais tem que ser alcançados pelo o mundo. E que a luta e o embate cultural não vale tanto a pena quanto o silêncio do fingir que não se vê o que se sente. Morgan Freeman é, nesse caso, um símbolo do egoísmo mais puro, pois é, no momento em que se pronuncia, aquele que se esquece da dor dos seus antepassados; da dificuldades que enfrentou por ter como identidade estigmatizada a própria cor; das crianças ao redor do mundo que vão ter as mesmas dificuldades ou até maiores do que as dele... Quando eu digo dificuldade eu não estou dizendo incapacidade intelectual, que isso fique bem claro, pois é justamente por essa extrema capacidade intelectual que, apesar das circunstâncias contrárias, temos grandes e belíssimos exemplos de pessoas bem sucedidas socialmente que são a "exceção da regra", o que, claro, não garante a elas, diretamente uma felicidade ou uma perfeição em todas as suas atitudes (somos humanos - eternos ignorantes de alguma coisa). O próprio Morgan Freeman é um caso exemplar, um ícone excelente da exceção, apesar de a análise da situação negra no EUA e no Brasil partir de diferentes pontos de exploração e luta. É exatamente o caso de alguém que construiu o seu sonho na realidade, carreira de sucesso, fama, dinheiro, status social... Mas nem por isso, nesse assunto ao menos, deixou de ser ignorante e egoísta.

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