Não há como não perceber, em qualquer espaço espetacular[1]
da sociedade - claro que restrito ao espaço-tempo de lazer das pessoas -, a câmera
fotográfica (acoplada aos celulares, ou não) está cada vez mais popular. Um
caminho natural em um mundo onde as tecnologias galopam, barateiam-se, entram na
moda, perecem e ressurgem; um caminho natural em um mundo onde o sentido do próprio
ser está contido no modo compulsivo do consumo de produtos e na ideia de posse
destes como status social e falsa ideia de construção de identidade.
A sociedade cria espaços vazios no homem, ou seja, retira
dos homens a sua propriedade particular, para depois vender para os mesmos,
maquiagens de identidade que nunca vão se estabelecer por completo e satisfatoriamente
no ser deste homem perdido. E a máquina fotográfica exemplifica perfeitamente
esta questão, pois ela ainda é, apesar de popularizada e difundida, conhecida
por uma minoria que detém, de certa maneira, o valor criativo desse aparelho.
Não é difícil entender o que eu digo, ainda mais quando
percebemos que, cada vez mais, novos mecanismos de propagação das fotografias
são criados e utilizados como o explicitar das vaidades instantâneas. E ainda
mais esses mecanismos corroboram e fazem com que as pessoas, iludidas ou não,
perceptivelmente ou não, conscientes ou não, acabem por ceder ao tempo-resposta[2]
que lhes é imposto pela sociedade.
Claro que tratamos de um povo explorado e praticamente
vencido pelo esforço e pela estafa mental do trabalho, que não tem tempo para divagações,
nem tampouco desejo por ampliar questões estéticas, intelectuais e capacidade
abstrativa e que, com isso, objeta em tudo o uso, a imagem, o valor e a
distração.
Não falo contra a distração, muito pelo contrário, assim como Theodor Adorno, em seu livro de ensaios Indústria cultural e sociedade, entendo o tempo que chamamos por lazer como benéfico e, mais do que isso, saudável, para uma sociedade, como já dito, explorada e cansada, porém desconfio que o lazer vá além, melhor, nada tem a ver com as formas, especificadas pela indústria cultural, de distração. O prazer do se apropriar-se de si mesmo no tempo é o encontrar-se consigo mesmo e não alienar-se de si, não o relaxamento. Este relaxamento é exatamente o entregar do seu tempo de lazer ao continuar do processo de exploração: a exploração mental.
Pois bem, as pessoas possuem suas máquinas fotográficas e, da
forma com que estas máquinas são produzidas e, pautando-me pelo interesse inerente
à tecnologia digital, as fotografias são tiradas, geralmente, para serem
expostas pelos computadores e, mais especificamente pela internet.
A internet é um ponto de estranhamento para mim, pois a
utilizo cotidianamente e vejo muitas formas interessantes de propagação de
conteúdo e pesquisa nesse meio, porém, para se analisar a “idiotização” do ser
humano ela é como se fosse a consequência. Fica sempre a suspeita de que a internet
amplifica o modo de ser (ignorante de como se é) apropriado para este mudo.
Melhor dizendo, fico sempre a pensar que a internet, principalmente no quesito redes
sociais, direciona a humanidade para a vaidade, inveja, prepotência e para o
palpite ignorante como posicionamento.
De toda a forma mecanismos como o Instagram criam uma banalização fotográfica ímpar – banalização que
é, por sua vez, gerida pela popularização da máquina fotográfica; nasceu da
digitalização da imagem e vem se encontrar com a propagação virtual instantânea
– e bota a foto numa posição de interferência com a experiência acrescentadora.
As pessoas não querem ver, comer, beber, sentir... As
pessoas querem mostrar, por vezes se mostrar. As pessoas estão querendo dizer
que são. Em busca da identidade perdida, querem a todo o tempo dar
demonstrações de que podem ver, comer, beber, sentir..., coisas que supõem que outras pessoas não
podem fazer. Essa maneira práxis de existir contemporânea, é claro que não fica somente
na questão das fotos, se estende para quase todas as esferas de interação
pessoal-virtual. E a câmera fotográfica é usada como testemunha do que se pode
ser e ter, com resquícios claros de vaidade, mas sobretudo, de falta de
identidade.
As pessoas entram nos museus com suas máquinas fotográficas
em punhos, prontas para fotografar tudo o que puderem, e até o que não puderem,
se notarem (sentirem, experienciarem, conhecerem...) nada daquilo. As obras do
museu são apenas alvos, algo para depois dizerem “Eu vi isso!”, criando a
imagem de cultos, dentro dos padrões que a própria cultura impõe. Vão à praia e
tiram fotos instantâneas para dizerem que foram, que são descoladas, que se
divertem... Tantos exemplos poderíamos analisar com essa incerta (e ao mesmo
tempo certa) investigação psicossocial.
De fato, as fotos se multiplicam no jogo do curtir-compartilhar-comentar,
enquanto o vazio da identidade está cada vez mais exposto pela maneira como nos
pronunciamos nessas redes, mas o mais impressionante é ver que tudo isso é,
geralmente, encarado com naturalidade e até com certo relativismo permissivo,
que indica duas respostas a essa maneira de se colocar: ou não há nada demais e
“o que você tem a ver com isso?”; ou “o ser humano precisa disso”. Duas reposta
que botariam um falso ponto final na discussão, posto que não deixariam
conformados os que se incomodam com o que há e o que ainda há por vir, ou seja,
com todo o processo no qual estamos definitivamente incluídos.
É preciso que fique claro que não sou contra a popularização e o maior acesso ao mecanismo máquina fotográfica para todos, não tenho nenhuma pretensão em dizer quem é de fato fotógrafo e quem representa a banalização da fotografia, só estou explicitando a minha inquietação com o que reflete no modo como se vive, essa troca do olhar vivo pela fotografia, da memória afetiva pelo chip de memória e, em geral, da experiência estética única e construtiva pela retração e pela propagação de imagens-identidades.
É preciso que fique claro que não sou contra a popularização e o maior acesso ao mecanismo máquina fotográfica para todos, não tenho nenhuma pretensão em dizer quem é de fato fotógrafo e quem representa a banalização da fotografia, só estou explicitando a minha inquietação com o que reflete no modo como se vive, essa troca do olhar vivo pela fotografia, da memória afetiva pelo chip de memória e, em geral, da experiência estética única e construtiva pela retração e pela propagação de imagens-identidades.
André Vargas
[1] Tomando-se
por base as noções de espetáculo do livro Sociedade
do Espetáculo, de Guy Debord: onde a verdade das coisas se perde nas
representações espetaculares das mesmas, para a breve contemplação do homem, na
formação de um pseudo-mundo inebriante e falso, com suas relações próprias,
mediadas pelas imagens falsificadas da vida;
[2] Faço
um breve apêndice aqui para explicar o termo “Tempo-resposta” e que acabo de
cunhar. Tempo-resposta, nesse caso, significa exatamente o paralelo entre o
tempo contemporâneo e suas estruturas (fixas, móveis, em construção ou em
progressão) de relações humanas e a resposta que esse mesmo tempo espera e
prevê do homem submerso nessas estruturas. A resposta que o tempo exige é o
reproduzir do esperado, do previsto pelo contexto. Cada tempo tem sua resposta prevista
e o tempo muda com o nascimento de respostas diferentes.
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